57  Efeitos do treinamento levado até a falência das repetições sobre a força muscular: uma revisão sistemática e metanálise

Comentário: Prof. Dr. José Maria Santarem*

Levar as séries dos exercícios com pesos até a falência muscular não é necessário.

Tim Davies, Rhonda Orr, Mark Halaki, Daniel Hackett.
Sports Med (2016) 46:487–502 DOI 10.1007/s40279-015-0451-3

A força e o volume são qualidades indissociáveis dos músculos esqueléticos. Sabe-se há muito tempo que a força aumenta mais rápido do que o volume porque o aprimoramento da coordenação no sentido de recrutamento de unidades motoras para ação simultânea é um processo mais rápido do que a hipertrofia das fibras. Algumas pessoas possuem geneticamente grande capacidade de recrutamento e conseguem altos níveis de força mesmo quando o volume muscular não é grande. No entanto, os mais altos níveis de força só são conseguidos por pessoas que possuem ambas as qualidades bem favorecidas pela genética: recrutamento e hipertrofia. Da mesma forma, grandes volumes musculares são sempre acompanhados por grande força muscular.

Os métodos clássicos para treinamento com pesos visando força e volume musculares preconizam que as pessoas devem se concentrar nos exercícios básicos como desenvolvimento supino, desenvolvimento para cima, remadas, flexão e extensão de cotovelos, agachamento ou leg press e flexões plantares. Com a utilização de baixas repetições, geralmente entre 5 e 8, a recomendação sempre foi aumentar progressivamente a quantidade de peso, com cerca de três séries pesadas por exercício após aquecimento. O mais habitual é que o número de exercícios por grupo muscular possa variar entre um e três, dependendo da capacidade de recuperação da pessoa e da frequência de treino semanal para cada grupo muscular, que geralmente varia entre dois e três. Estima-se que menos de 25% das pessoas conseguem reagir bem aos estímulos para aumentos de força e volume muscular. Apenas pessoas com excepcionais condições genéticas conseguem ser campeões de fisiculturismo. As pessoas que conseguem trabalhar com grandes cargas paralelamente adquirem grandes volumes musculares. Portanto, embora não seja possível para todas as pessoas, para ser grande é necessário ser forte e vice-versa. Tendo em vista essa constatação, é natural que as pessoas em treinamento com pesos se preocupem em aumentar gradativamente a quantidade de peso utilizada nos exercícios.

A escola mais tradicional da musculação nos EEUU em meados do século XX preconizava que em treinamento as séries não deveriam chegar à falência muscular. Observava-se que os aumentos nas cargas ocorriam na medida em que as pessoas sentiam os pesos mais leves, ou seja, a força (e o volume muscular) aumentava pelo treinamento pesado mesmo sem falência muscular. Para ilustrar essa situação citaremos as proposições de Bill Pearl, ícone da musculação de competição internacional. Tendo vencido os mais prestigiados campeonatos da sua época, foi um dos atletas mais aclamados da história do bodybuilding. No seu livro “Beyond the Universe”, afirma que a sua única decepção no esporte foi o advento das drogas anabolizantes, que afirma não ter utilizado em sua carreira. Aos 41 anos, aceitou o desafio de competir no Mr. Universo NABBA Profissional em 1971 para demonstrar que era possível vencer campeonatos sem drogas. Venceu pela terceira vez esse prestigiado campeonato, desta feita contra rivais como Reg Park, Sérgio Oliva, Chris Dickerson e Frank Zane. Com mais de 50 cm de braço, Bill Pearl era muito forte, com as marcas de 180 kg no desenvolvimento supino, 140 kg no desenvolvimento por trás da nuca, 100 kg na rosca direta e 280 quilos no agachamento. Uma curiosidade: utilizava 90 kg na rosca de punho. Tendo orientado inúmeros atletas vencedores de campeonatos internacionais de bodybuilding, Bill Pearl orientava que não se deve treinar até a falência muscular. No seu web site enfatiza textualmente: “Não treine até a falência muscular. Pessoas me perguntam porque eu não acredito em treinar até a falência muscular em uma época em que a noção popular na musculação é que a única maneira de obter máximo progresso é levar as repetições até que não seja possível realizar a próxima. Eu respondo de uma maneira simples: se você realiza uma sessão com cerca de 9 exercícios e realiza 3 séries em cada um, e cada série é levada até a falência muscular, o que você fez nessas 27 séries foi fracassar 27 vezes. Isso não é sucesso no meu conceito. Minha abordagem de treino sempre foi treinar forte, mas nunca até a falência muscular. A ultima repetição deve ser difícil, mas não quase impossível. Utilize cargas que permitam realizar as repetições programadas para todas as série. Por que? Porque você estará obtendo sucesso em cada repetição, séries e exercícios. O seu treinamento será uma experiência positiva e não negativa. Dessa maneira você manterá o seu entusiasmo, evitará lesões e overtraining, treinará por muito anos e conseguirá os melhores resultados”.

Uma segunda escola começou a adquirir popularidade no final dos anos 60 do século XX com a teoria de Arthur Jones que preconizava a falência muscular e um número reduzido de séries. Atualmente treinar até a falência muscular é uma abordagem bastante popular, alimentada pela especulação de que você só pode ter certeza de que trabalhou todas as fibras musculares quando leva as repetições até a falência muscular. O ponto que tem escapado das considerações é que parar as repetições uma ou duas antes da falência não significa que você não tenha produzido um bom estímulo. Estudos com eletromiografia mostraram que a ativação de todas as fibras musculares já é atingida mesmo parando as séries cerca de duas repetições antes da falência muscular. Por outro lado, o treinamento levado até a falência muscular tem sido associado com maior incidência de lesões e com maior estresse psicológico, diminuindo a aderência.

A proposta do presente trabalho foi associar as técnicas de revisão sistemática e de metanálise para comparar os resultados do treinamento com pesos com e sem a falência muscular para o objetivo de ganhos em força muscular. Inicialmente foram identificados nas bases de dados 2.948 trabalhos que tiveram esse objetivo, mas apenas oito trabalhos preencheram os critérios metodológicos de elegibilidade. Em sua somatória esses trabalhos avaliaram 199 pessoas entre 18 e 35 anos, sendo 159 homens e 40 mulheres. Todos realizaram séries múltiplas com repetições entre 6 e 10, com duas ou três sessões semanais, durante 6 a 14 semanas. A avaliação da força ocorreu por testes de 1 RM ou de 6 RM. Os principais exercícios utilizados foram o desenvolvimento supino, a rosca direta e o agachamento. Alguns utilizaram a extensão de joelhos.

Resultados: considerando apenas os trabalhos que utilizaram o mesmo volume de treinamento, os participantes que treinaram sem falência aumentaram a força em 23,4% contra 22,8% dos que treinaram até a falência; considerando os trabalhos que não controlaram o volume de treino, os que treinaram sem falência aumentaram a força em 24,2% contra 22,9% dos que treinaram até a falência. Apenas um trabalho avaliou a hipertrofia das fibras e constatou que ocorreu o mesmo que com a força: os participantes que treinaram sem falência muscular aumentaram a volume das fibras numericamente mais do que os que treinaram até a falência. As diferenças numéricas não foram estatisticamente significantes.

Conclusões: Os autores concluíram que o treinamento com pesos para força muscular produz resultados semelhantes, quer se levem as repetições até a falência ou não, com uma tendência para melhores resultados com o treinamento sem falência muscular.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

 

Comentários: José Maria Santarem