74  Os benefícios do treinamento resistido para saúde: além da hipertrofia e grandes pesos

Comentário: Profa. Ms. Sandra Nunes de Jesus

Os benefícios do treinamento resistido para saúde: além da hipertrofia e grandes pesos

Abou Sawan, Sidney; Nunes, Everson A.; Lim, Changhyun; McKendry, James; Phillips, Stuart M

Exercise, Sport, and Movement – 2023

Tradução e comentários: Profa. Ms.  Sandra Nunes de Jesus

Os autores iniciam destacando a importância do exercício físico no menor risco de desenvolvimento de muitas doenças crônicas. O treino aeróbico (TA) recebe primária atenção nas diretrizes da atividade física e com recomendações para a prática de 150 min de atividade moderada/semana ou 75 min de atividade vigorosa/semana, para promover saúde.

Mesmo sendo recomendado, o treinamento resistido (TR) e os seus efeitos isolados ainda são subestimados. A prescrição do TA + TR tem a proposta de melhorar tanto o  VO2 max quanto a  massa muscular, em conjunto. O TR, segundo os autores,  pode também induzir, além da força e da massa muscular, adaptações mitocondriais, melhorando a capacidade oxidativa, dependendo do volume e intensidade do treinamento.

O TR tem sido recomendado nas diretrizes atuais, e há evidências da sua superioridade em relação ao TA na promoção da saúde, além da hipertrofia.

MOBILIDADE E QUEDAS

Os autores destacam o aumento global da população idosa, e especialmente acima dos 70 anos. O envelhecimento sedentário leva à sarcopenia, à perda de massa muscular,  e impacta na redução da força e função em idosos. Para o sistema de saúde Americano, 19 bilhões são gastos ao ano com pessoas que sofrem quedas, por conta da hospitalização e do aumento da  incapacidade para o trabalho.

As quedas impactam na qualidade de vida dos idosos, exacerbando o  declínio da função cognitiva e independência.

As evidências sugerem que o TR + TA  promovem a melhora da mobilidade, reduzindo as quedas em idosos. O TA não melhora os ganhos de força e de massa muscular como o TR. E a pergunta é: o TR precisa ser pesado para promover eredução no risco de quedas? A resposta é não, o TR com baixo peso, associado a treinos de equilíbrio parecem atenuar o risco de quedas

Abaixo segue a figura 1 original do trabalho, mostrando os benefícios do TR + TA, somente do TR e somente do TA, na melhora da saúde.

 

 

FUNÇÃO COGNITIVA

A inatividade no processo de envelhecimento exacerba o declínio cognitivo. O TR promove melhora na função cognitiva por dois mecanismos: pelo estímulo de fatores neurotróficos cerebrais e pelo aumento do fluxo sanguíneo cerebral. Evidências sugerem que o TA melhora as  funções executivas (foco, atenção, e multitarefas)  e também a  memória. Recente meta- análise demonstrou que o TR isolado promove melhora da capacidade cognitiva executiva  e da  função cognitiva global, mas não no trabalho de memória.

Manipular variáveis do TR como frequência, volume e duração, parece afetar os benefícios cognitivos em idosos. Em trabalho que comparou o TR x grupo controle de idosos sedentários, treinando 2x/semana (50% a  70% de 1RM), observou-se melhora da função cognitiva geral em idosos saudáveis, em 16 semanas de TR. Notavelmente, outro estudo que acompanhou  idosos com comprometimento cognitivo, demonstrou melhora da função cognitiva geral com TR em menos de 16 semanas.

Os autores destacam  que o TR  é capaz de  melhorar a função cognitiva, impactando positivamente na qualidade de vida de idosos.

A figura 2 é original do artigo e demonstra os resultados do TR na função cognitiva ao longo da vida:  infância, vida adulta e em idosos.

 

 

CÂNCER

O câncer tem sido uma das causas de morte na população geral. Tanto a doença em si como o tratamento impactam negativamente na massa muscular e na força do indivíduo. A caquexia, caracterizada por uma síndrome metabólica complexa, altera a composição corporal, aumentando o tecido adiposo e reduzindo a massa muscular e é consequência de alguns tipos de câncer, como fígado, pulmão e pâncreas, e de algumas doenças como a imunodeficiência (HIV).  O envelhecimento inativo acompanhado do desenvolvimento de câncer induzem à sarcopenia e caquexia concomitantemente.  Na caquexia os fatores sistêmicos de inflamação induzem ao catabolismo, degradando as proteínas especialmente musculares.

A mudança da composição corporal no indivíduo com câncer pode ocorrer por motivos diretos durante o tratamento (quimioterapia, radioterapia e cirurgias), e também indiretos como inatividade e diminuição da ingestão de alimentos. Uma menor condição de massa muscular pode levar  a recorrência da doença, aumentar complicações cirúrgicas e  desenvolver outras doenças.

O exercício melhora a função física e psicossocial de indivíduos com câncer.

Os exercícios melhoram a resistência à fadiga, melhoram a qualidade de vida, reduzem a chance de novas ocorrências e aumentam a chance de  sobrevivência em indivíduos com Ca.

O que tem sido documentado é que o TR isolado ou TR + TA são superiores ao  TA isolado, na melhora dos sintomas e qualidade de vida desses indivíduos. Mas, o TR pode melhor controlar os efeitos adversos da doença e do tratamento, como  a  perda muscular. Pessoas em tratamento de câncer que possuem força e massa muscular, sentem menos os efeitos tóxicos do tratamento e apresentam melhores resultados clínicos, além  reduzem a chance de desenvolver caquexia e amenizar a perda ou manter a massa muscular durante essa fase do tratamento. Esses aspectos reforçam a importância do TR na redução de risco de mortalidade em indivíduos com câncer e aumento da chance de sobrevivência.

A figura 3 abaixo resume os efeitos da doença e do tratamento de câncer em pessoas com massa muscular x sedentárias.

 

SAÚDE METABÓLICA

A obesidade e a Diabetes do tipo 2 (DM2) são doenças que aumentam o risco de morte. O aumento da gordura corporal, da  hiperglicemia e da resistência à insulina são fatores respectivos ao desenvolvimento da DM2. O sedentarismo e a inatividade são  propulsores primários para o desenvolvimento dessas doenças. Mesmo que indivíduos obesos apresentem maior  massa muscular comparados aos seus pares não obesos, a  inatividade ainda é um fator desencadeador da DM2.

A atividade física tem se mostrado efetiva na prevenção, controle e tratamento da obesidade e da DM2. Embora o indivíduo obeso ao realizar exercícios físicos possa não apresentar redução do seu  peso corporal, ele ainda assim tem benefícios na melhora da saúde metabólica.

Tanto o TA quanto o  TR reduzem a  hemoglobina glicada e melhoram outros resultados de saúde relevantes no DM2.

Em recente  meta-análise o TR se mostrou eficiente na redução do tecido adiposo. O TR ( 50% a 75% de 1RM) demonstrou efeitos agudos do  perfil lipídico no pós treino.

A combinação do  TA + TR ainda é recomendado no tratamento e controle  da  obesidade e da DM2, embora estudos demonstrem que o TR isolado é capaz de controlar a glicemia em idosos com DM2.

Os estudos mostram que o  TR isolado induz adaptações que promovem a saúde metabólica como:   aumenta  a capacidade oxidativa das mitocôndrias, remodela as proteínas musculares e aumenta a  sensibilidade à insulina.

Esses dados sugerem que tanto o TA quanto o TR promovem saúde metabólica independente do aumento da  massa muscular.

Abaixo a  figura 4 do artigo original mostra o impacto do TR na saúde metabólica.

 

 

MORTALIDADE

Os autores comentam que o TR têm sido muito investigado nos últimos tempos e muitos trabalhos de coortes e revisões têm apontado os seus benefícios  na prevenção de doenças e menor mortalidade por todas as causas, sendo as mais investigadas: câncer, DM2 e doenças cardiovasculares.

Treinar de  1-2/semana ou 60-120 min/semana parecem ser suficientes para promover saúde e diminuir a chance de mortalidade.

Embora Momma et al. TR em uma revisão de estudos tenham demonstrado um risco relativo de mortalidade para doenças cardiovasculares e câncer em praticantes de musculação  que treinaram acima de  130-140 min/semana, eles reconhecem que o número de estudos é baixo e ainda muito precisa ser investigado. Uma provável relação associada seja o aumento da rigidez das artérias ou risco a eventos cardiovasculares prévio desses praticantes.

Sobre a dose resposta ideal os estudos no geral apontam que 30 – 60 min/semana  seja suficiente para diminuir o risco de chance de mortalidade por todas as causas. Alguns trabalhos apontam que para prevenção de mortalidade por DM2 treinar 60 min/semana seja suficiente.

Mas a dose resposta ideal ainda é uma lacuna para a ciência.

CONCLUSÃO

Os autores concluem que o TR têm benefícios na redução do risco de mortalidade por todas as causas, além de melhora da força e massa muscular. Benefícios como melhora das funções físicas, cognitivas, de sobrevivência ao Ca e saúde metabólica são observados nos praticantes de  TR. Por essa razão, a proposta dos autores é de que o TR esteja na vanguarda das diretrizes de atividade física.

Contudo a aderência ao TR pela população ainda é baixa e justificada pelas seguintes barreiras: risco de lesões (que poderia ser reduzido por adequar os pesos)  e pouca facilidade do acesso às academias.

Notavelmente, a prevenção à incapacidade física, a redução no risco de quedas e a melhora da  cognição poderiam ser motivadores para o engajamento da  população ao TR.

Os autores recomendam treinar com pesos relativamente moderados (30% a 70% de 1RM), podendo ser com halteres ou o peso do próprio corpo,  e com repetições que induzam a um esforço alto ou muito próximo da falha muscular. Tais orientações podem ser tão benéficas quanto treinar com pesos altos, próximo a 70% de 1RM.

Um ponto de particular importância é que quando há desuso muscular (por  fraqueza ou imobilizações ), o idoso pode acelerar a perda de força e massa muscular de 1% a 3% ao ano. Uma boa reserva muscular pode proteger o indivíduo idoso e ajudar a manter a mobilidade e saúde metabólica em eventos como esses.

Estudos futuros poderiam examinar a intensidade e melhor dose resposta do TR, combinado ou não ao TA, na promoção da saúde e redução do risco de morte.

Nossas observações

O ponto mais importante que vale destacar da  nossa experiência prática é de que o TR não precisa ser conduzido a altos esforços, ou muito próximo à falha. Idosos e pessoas fragilizadas possuem doenças especialmente musculoesqueléticas que podem ressentir ou agravar as suas dores com  altas repetições (pesos menores). O esforço próximo a falha pode ser exaustivo e aversivo à essa população.  Os benefícios do TR para a população geral já foram demonstrados com pesos maiores  e em faixas de repetições mais baixas (entre 8 a 12), com repetições próximas a   quatro antes da falha.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.