15  Lesões Neurológicas associadas ao levantamento de pesos e musculação.

Comentário: Prof. Dr. José Maria Santarem*

Revisão de lesões neurológicas associadas ao treinamento com pesos: baixa incidência e relacionadas com o uso de anabolizantes: trauma da injeção ou tromboses.

Joshua N. Farr, Scott B. Going, Patrick E. McKnight, Shelley Kasle, Ellen C. Cussler, Michelle Cornett; 2009.
Phys Med Rehabil Clin N Am 20 (2009) 273–286

O autor inicia este trabalho com uma definição dos termos mais usados nesta área do conhecimento. A expressão weight lifting (levantamento de peso) é freqüentemente utilizada como sinônimo de weight training (treinamento com pesos), que por sua vez é a mais utilizada forma de treinamento contra resistência, genericamente chamado de resistance training (treinamento resistido – TR). Na área do esporte o TR é conhecido como strenght training (treinamento de força). As modalidades esportivas cuja base do treinamento é o TR são o levantamento de peso olímpico (olympic lifting ou weight lifting), o levantamento básico (Power lifting) e o culturismo ou fisiculturismo ou musculação de competição (bodybuilding).

A maior freqüência atual de lesões neurológicas associadas ao TR é explicada pelo aumento do número de praticantes e pela crescente utilização de drogas anabolizantes, esteróides ou GH (hormônio do crescimento). As drogas podem produzir lesões neurológicas pelo trauma da injeção, pelo efeito farmacológico e talvez pela indução de grande hipertrofia muscular.

SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO – SNP

Quando comparadas com outras lesões esportivas, as lesões do sistema nervoso periférico têm uma baixa incidência (0,5%) nos esportes em geral. Quando relacionadas com o TR realizado por levantadores basistas a porcentagem é de 3,1% e no TR realizado por jogadores de futebol americano é de 3,7%, em relação ao total de lesões. Em dois estudos de casos de lesões do SNP em atletas, apenas 15% e 16% foram atribuídas ao TR, respectivamente. Se as lesões do SNP encontradas em atletas têm ou não contribuição do TR por todos realizado, não está confirmado. As lesões
do SNP associadas ao TR costumam ser produzidas pela tração ou compressão de nervos, pelas lesões de tecidos moles (tecido conjuntivo de bainhas tendinosas, cápsulas e ligamentos) e existe a hipótese de que sejam potencializadas pela hipertrofia muscular. Essas lesões crônicas são mais comuns do que as lesões agudas, que são raras. As lesões do SNP produzem uma combinação focal de desmielinização com lesão axonal.
O diagnóstico de lesão do SNP exige o exame de eletroneuromiografia e o tratamento com afastamento do fator causal geralmente leva à total recuperação. Isso ocorre porque não há secção do nervo envolvido.

NERVO MEDIANO

A lesão do nervo mediano no punho é conhecida como Síndrome do Túnel do Carpo (STC) e é a lesão neurológica mais freqüente na população geral. As manifestações clínicas características são dor e parestesias (formigamento e adormecimento) no território mediano da mão, que não atinge o dedo mínimo, principalmente em episódios noturnos. Fraqueza muscular e hipotrofia tenar são mais raras e indicam maior gravidade da lesão.
O mecanismo de lesão geralmente é trauma crônico do punho com movimentos repetidos envolvendo flexão, muitas vezes com edema do tecido conjuntivo do punho. Os autores referem um estudo que identificou
190 lesões nervosas periféricas em atletas, sendo 24 casos de STC. Destes casos, 6 eram sintomáticos e 18 assintomáticos. Dos casos sintomáticos, três eram levantadores de pesos e os outros três treinavam com pesos. Em um estudo de casos com crianças com STC, 13 treinavam com pesos e isso foi identificado como possível fator causal, porque a STC é rara em crianças.
Deve ser esclarecido que a utilização do TR é muito comum em esportistas em geral, devido à sua importância na preparação física, e que o esporte em geral tem muitos movimentos potencialmente lesivos para o nervo mediano. A simples identificação do TR em pessoas com STC não significa relação de causa e efeito.
Alguns trabalhos identificaram STC bilateral em atletas de musculação (bodybuilding) que utilizavam GH. A fisiopatologia é a proliferação de tecido conjuntivo induzida por níveis altos de GH, tal como ocorre na
acromegalia. A STC também já foi identificada pós-lipoaspiração, provavelmente relacionada com a redistribuição de fluidos.
O tratamento da STC é repouso com órteses de punho, infiltrações de corticóides e cirurgia para os casos que não respondem ao tratamento conservador.
Uma forma mais proximal de lesão do nervo mediano é a Síndrome do Pronador, em que ocorre dor profunda na face anterior e superior do ante- braço, com ou sem parestesias e desencadeada por movimento. A Síndrome Interóssea Anterior costuma acompanhar a Síndrome do Pronador e consiste na dificuldade de flexionar as falanges distais do indicador e do polegar. Essas lesões têm sido associadas com o TR e são atribuídas a fortes apreensões palmares e pronações resistidas. Mais uma vez vale lembrar a freqüência dessas situações no esporte em geral. O autor faz uma referência à possibilidade de que a hipertrofia dos músculos do antebraço possa ter alguma contribuição para a lesão, mas não há evidências para essa afirmação.

NERVO ULNAR

A neuropatia do nervo ulnar pode ocorrer ao nível do cotovelo ou do punho. No cotovelo é freqüente na população geral em função de compressão do nervo em superfícies duras ou flexão prolongada dessa articulação. Os sintomas são as parestesias na região medial na mão, envolvendo o dedo mínimo, principalmente em surtos noturnos. Fraqueza muscular e hipotrofia hipotenar indicam gravidade do caso.
No TR pode ocorrer compressão do nervo ulnar nos apoios em bancos, nas pegadas de barra com abdução ou adução excessiva de punhos e no press com punho em extensão. Alguns autores acreditam que a hipertrofia da cabeça medial do tríceps braquial e das cabeças do flexor ulnar do carpo também possam favorecer a lesão do nervo ulnar. Lesões bilaterais do nervo ulnar nos cotovelos já foram vistas em culturistas usuários de GH e foram atribuídas a proliferação do tecido conjuntivo por ação da droga. Em pessoas predispostas, ruptura da cabeça medial do tríceps pode ocorrer na flexão do cotovelo com mais de 90 graus e na extensão resistido, duas situações comuns no TR, e que pode levar a lesões do nervo ulnar.

NERVO RADIAL

A lesão do nervo radial produz fraqueza na extensão do punho e dedor, e parestesias na face dorsal e lateral da mão. Lesões mais proximais produzem fraqueza do tríceps, fraqueza na supinação do antebraço e parestesias na face posterior do antebraço. Lesões distais do nervo radial podem ocorrer na região do supinador do antebraço e produzir dor no músculo braquioradial. Em um culturista de elite uma lesão proximal do nervo radial foi atribuída a hipertrofia acentuada do redondo maior na sua inserção umeral. Injeções musculares mal aplicadas no braço também podem produzir lesão do nervo radial.

NERVO MUSCULOCUTÂNEO

A lesão do nervo musculocutâneo produz fraqueza na flexão do cotovelo, atrofia do bíceos braquial e parestesias na região lateral do antebraço. A lesão é rara , mas tem sido identificada em levantadores e culturistas, com mecanismos de lesão apenas especulativos.

NERVO SUPRAESCAPULAR

A lesão do nervo supraescapular não é rara em esportes com bola que utilizam as mãos acima da cabeça, mas também tem sido identificada em levantadores de peso e culturistas. A lesão pode afetar os músculos supra e infraespinhal, com fraqueza e hipotrofia. Variações anatômicas específicas predispõem a essa lesão.

NERVO LONGO DO TÓRAX

A lesão do nervo longo do tórax produz fraqueza do grande denteado e leva á elevação da borda medial da escápula. A sua relação com esportes e TR é apenas especulativa.

NERVO PEITORAL MEDIAL

A lesão do nervo peitoral medial produz fraqueza e hipotrofia do músculo peitoral. Essa condição tem sido identificada no TR, unilateral ou bilateral. O autor lembra a hipertrofia muscular como possível fator causal, mas não há evidências nesse sentido. Ruptura do músculo peitoral pode ser uma das causas.

PEXO BRAQUIAL E RAÍZES NERVOSAS CERVICAIS

A lesão do plexo braquial e de raízes nervosas cervicais é comum em esportes como lutas e futebol americano, e já foi documentada em alguns casos com levatadores de peso e musculadores.

NERVOS DA EXTREMIDADE INFERIOR
As lesões de nervos dos membros inferiores são raramente relacionadas com o TR. Lesões do nervo femoral podem levar a hipotrofia e fraqueza dos músculos vasto medial ou vasto lateral. Em musculadores as raras lesões tem sido atribuídas a injeções de esteróides anabolizantes ou trauma do nervo pela contração de músculos muito hipertrofiados.
Meralgia parestésica é o nome de parestesias produzidas pela compressão do nervo cutâneo lateral da coxa ao nível do ligamento inguinal, geralmente por low-slung belts (eg, tool belts), mas pode também ser produzida por cinturões de levantamento. As parestesias afetam a face lateral e anterior da coxa.
Lesões do nervo safeno pode produzir dor na face medial do joelho e no caso de uma atleta de musculação, isso foi atribuído a trauma pela contração de músculos hipertrofiados na coxa. Lesões do nervo plantar podem ocorrer em levantadores e podem ser evitadas com o uso de botas para levantamento.

SISTEMA NERVOSO CENTRAL – SNC CEFALÉIA BENIGNA DO EXERCÍCIO

Essa é uma forma de dor de cabeça bilateral que se inicia no exercício físico de forma aguda e pode durar até 24 horas. Ocorre em pessoas predispostas e é desencadeada pela elevação das pressões arteriais e venosa. Pode ocorrer no TR. Alguns autores acreditam que a sobrecarga de estruturas da coluna cervical possa produzir cefaléia e propuseram a denominação de Cefaléia Cervicogênica.

ENXAQUECA DO EXERCÍCIO

Cefaléia unilateral geralmente desencadeada por exercícios aeróbicos em pessoas que também apresentam enxaqueca em repouso.

RUPTURA DE ANEURISMAS

Ruptura de aneurismas arteriais pode ocorrer por ocasião da manobra de Valsalva. Os aneurismas podem ser congênitos ou conseqüentes a hipertensão arterial crônica.

HEMORRAGIAS INTRACRANIAIS, SUBDURAIS EPIDURAIS

Alguns casos foram documentados em levantadores e musculadores, mas com fisiopatologia especulativa. O uso de esteróides anabolizantes foi aventado, bem como alterações na permeabilidade vascular em conseqüência das variações de pressão nos vasos cerebrais. Nenhum desses mecanismos explica a raridade da lesão. Em um caso ocorreu ruptura de vasos em um tumor (neuroma acústico). Um caso foi documentado em um indivíduo jovem realizando elevações de tronco com apnéia. A origem da lesão não foi esclarecida.

ACIDENTES VASCULARES ISQUÊMICOS E TROMBOSE DE SEIOS VENOSOS DURAIS

Alguns casos foram relatados em levantadores e musculadores em treinamento. Todos usavam esteróides anabolizantes e um deles abusava de substâncias vasoativas como cafeína e efedrina. Os esteróides anabolizantes aumentam a agregação plaquetária produzindo hipercoagulabilidade sanguínea.

CONCLUSÕES

O autor finaliza o trabalho informando que os estudos sobre o tema são todos relatos de casos e portanto não é possível estabelecer a real porcentagem de incidência das lesões do sistema nervoso associadas com o treinamento resistido.
Aspecto relevante é que essas lesões são muito pouco freqüentes e certamente fatores constitucionais predisponentes se associam a fatores ambientais como o uso de drogas e as sobrecargas do treinamento. Essas sobrecargas podem ser produzidas pelo TR, mas também ocorrem em outras formas de esforço físico, nos esportes em geral e no trabalho braçal.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

 

Comentários: José Maria Santarem