03  Treinamento Resistido em Pessoas Com e Sem Doenças Cardiovasculares  Revisão 2.007

Comentário: Prof. Dr. José Maria Santarem*

Uma revisão de literatura documentando os estímulos dos exercícios com pesos para a saúde cardiovascular e comentando aspectos técnicos do treinamento.

Mark A. Williams, William L. Haskell, Philip A. Ades, et al; Circulation; 2007; Vol. 116; 572-584.

Um posicionamento científico do Conselho de Cardiologia Clínica e do Conselho de Nutrição, Atividade Física e Metabolismo da Associação Americana do Coração. Mark A. Williams e co-autores.Circulation. 2.007;116:572-584.

Esta revisão é uma atualização das recomendações da American Heart Association (AHA) de 2.000 sobre o treinamento resistido (TR). O TR melhora a força e a resistência musculares, a capacidade funcional, a independência, e a qualidade de vida, enquanto reduz a inaptidão em pessoas com e sem doenças cardiovasculares. Os benefícios potenciais do TR, não apenas para a saúde cardiovascular, mas também para a manutenção do peso corporal e para a prevenção de incapacidades ou quedas, têm sido cada vez mais reconhecidos.

Considerações fisiológicas
Os exercícios físicos podem ser dinâmicos (isotônicos) ou estáticos (isométricos). No primeiro caso contrações concêntricas e excêntricas, com movimento articular. No segundo caso, não ocorre movimento das articulações. Do ponto de vista metabólico os exercícios podem ser aeróbios ou anaeróbios. Na maioria das atividades físicas ocorrem fases dinâmicas e estáticas, e produção de energia mista. O TR convencional utiliza pesos maiores e descanso longo entre séries, com grande componente anaeróbio. O treinamento em circuito utiliza pesos menores e menores intervalos de descanso, com maior componente aeróbio.

Os exercícios dinâmicos aeróbios apresentam aumento considerável do consumo de oxigênio, do volume sistólico e da freqüência cardíaca (FC), paralelamente à intensidade do exercício. A pressão arterial sistólica (PAS) sobe, e a pressão arterial diastólica (PAD) se mantém ou diminui, com decréscimo da resistência vascular periférica, sendo a sobrecarga cardíaca “de volume”.

Durante exercícios isométricos a pressão arterial sistólica, a diastólica e a freqüência cardíaca aumentam proporcionalmente ao porcentual de força máxima utilizada. O volume sistólico geralmente não aumenta e pode diminuir em contrações acima de 50% da contração muscular máxima (CMM). O rendimento cardíaco aumenta moderadamente e o consumo de oxigênio aumenta um pouco. A vasoconstricção reflexa determina que o sangue para os músculos não atuantes quase não aumente. Contrações acima de 20 a 30% da CMM impedem a circulação intramuscular determinando hipóxia. A combinação de vasoconstricção e aumento do rendimento cardíaco, determina aumento da PAS, PAD, pressão média e resistência vascular periférica, com sobrecarga “de pressão”. A manobra de Valsalva determina diminuição do retorno venoso devido ao aumento da pressão intra-torácica, aumento da freqüência cardíaca e aumento da pressão arterial. Tontura e dor de cabeça podem ocorrer após os esforços. Em pacientes com doença cardíaca, sintomas de isquemia podem ocorrer em decorrência da elevação da pressão arterial e do trabalho cardíaco.

Nos exercícios resistidos dinâmicos, as respostas cardiovasculares são uma combinação das que ocorrem nos exercícios aeróbios e nos exercícios isométricos, com uma sobrecarga mista (volume e pressão). Elevações excessivas de FC, PAS e PAD não costumam ocorrer no TR com intensidades de esforço moderadas.
Tanto exercícios aeróbios quanto o TR podem melhorar aptidões físicas e parâmetros relacionados à saúde. O treinamento aeróbio melhora mais a aptidão aeróbia, as variáveis cardiopulmonares e metabólicas, e modifica de forma mais efetiva os fatores de risco cardiuovascular.
O TR aumenta mais a massa muscular, a força e a resistência dos músculos.
O TR aumenta a massa muscular e a taxa metabólica basal, diminuindo o tecido adiposo. O peso corporal pode não diminuir no TR porque paralelamente à redução do tecido adiposo ocorre aumenta da massa muscular. A massa óssea pode aumentar ou não no TR.

A qualidade de vida é relacionada com a capacidade de a pessoa realizar atividades que deseja ou precisa fazer.

Tanto o TR quanto o treinamento aeróbio podem melhorar a qualidade de vida, mas o TR é mais eficiente e preferencial para as pessoas mais debilitadas.

Aspectos cardiovasculares
As alterações na morfologia do coração no TR são fisiológicas. A espessura das paredes do coração aumenta moderadamente, com ou sem aumento também discreto das câmaras. No treinamento aeróbio a hipertrofia do ventrículo esquerdo é maior, e no TR ocorre aumentos dos dois ventrículos. A histologia do miocárdio é normal, portanto não patológica. As funções do miocárdio também são normais na hipertrofia por TR. Aspecto com grande aplicação prática é que o aumento da força muscular devido ao TR diminui o estresse cardiocirculatório (FC e PAS) nos esforços físicos. O TR diminui a pressão arterial de repouso tanto em normotensos quanto em hipertensos. Os aumentos de VO2 máximo são discretos, e os aumentos de FC e a PAS nas atividades aeróbias são menores. O TR de intensidade moderada produz um duplo produto (FC x PAS) menor do que o do exercício aeróbio máximo em esteira. Efeitos do TR em marcadores bioquímicos de proteção arterial tem sido documentados, embora não de forma consistente. Pacientes selecionados com insuficiência cardíaca e doença coronariana tem respondido ao TR com aumentos de força muscular, sem nenhum efeito cardíaco desfavorável e sem nenhuma complicação. Estudos que mostraram maior rigidez em artérias centrais promovida pelo TR provavelmente refletem adaptações fisiológicas sem significado clínico. Embora pouco conclusivos, alguns estudos demonstram proteção induzida pelo TR em relação ao estresse oxidativo, incluindo o ocasionado pelo treinamento aeróbio. Esse efeito pode constituir uma indicação para o TR de moderada intensidade em adição aos exercícios aeróbios.

Modificação de fatores de risco cardiovasculares
Os músculos esqueléticos são os principais tecidos responsáveis pelo metabolismo da glicose e dos triglicerídeos, e determinam a taxa metabólica basal. Os efeitos metabólicos da perda de massa muscular com o envelhecimento e a diminuição de atividade física contribuem para o aparecimento de obesidade, resistência á insulina, diabetes do tipo II, dislipidemia e hipertensão arterial. Aumentos na massa muscular podem diminuir múltiplos fatores de risco cardiovasculares.
A força muscular se relaciona inversamente com mortalidade por todas as causas e com a prevalência de síndrome metabólica, independente dos níveis de aptidão física aeróbia. Todavia, devido ao grande número de trabalhos sobre os benefícios dos exercícios aeróbios para a redução de risco cardiovascular, a recomendação ainda é o sentido de que os exercícios aeróbios devem fazer parte dos programas de exercícios, desde que possíveis.

Diabetes
Diabetes mellitus, intolerância a glicose, e resistência à insulina marcadamente aumentam os riscos para doenças cardiovasculares. A contração muscular aumenta a captação
de glicose e diminui a resistência á insulina. O TR reduz a resposta aguda à insulina e reduz a hemoglobina glicada.

Pressão arterial
O TR parece reduzir a pressão arterial sistólica e diastólica de repouso em cerca de 3 mmHg, o que se associa com a redução de 5 a 9% na morbidade cardíaca, redução de 8 a 14% na ocorrência de acidente vascular encefálico, e redução de 4% na mortalidade por todas as causas. A redução da pressão arterial de repouso com o TR é mais importante nas pessoas hipertensas. Não há diferenças entre o TR convencional e o treinamento em circuito.

Controle do peso
Os exercícios aeróbios são tradicionalmente utilizados para tratar ou prevenir a obesidade. Todavia, o TR tem se mostrado importante para o controle do peso corporal por aumentar a massa muscular. Um quilo de massa muscular aumenta a taxa metabpolica basal em 21 Kcal/dia. O TR também tende a aumentar o gasto energético diário por facilitar as atividades, contribuindo para o controle do peso corporal. O TR crônico parece ser importante para controlar a gordura corporal, principalmente a gordura visceral, mais associada com a síndrome metabólica.

Dislipidemia.
Os dados sobre os efeitos do TR e da massa muscular aumentada no metabolismo lipídico ainda são pouco conclusivos, mas parece haver redução do colesterol total, LDL e triglicerídeos.
Benefícios para mulheres, idosos e pacientes com insuficiência cardíaca

Mulheres e pessoas idosas
O aumento da força e da resistência dos músculos, leva à maior resistência e maior velocidade na marcha, maior capacidade para subir escadas, e melhor equilíbrio dinâmico, prevenindo quedas. Em pessoas com doença coronariana, o TR melhora a qualidade de vida e é bem tolerado.

Insuficiência cardíaca
As intensidades de TR utilizadas induzem alterações hemodinâmicas comparáveis às obtidas em testes ergométricos, e não ocorrem efeitos remodeladores adversos no miocárdio. As evidências atuais sugerem que o TR seja seguro para pessoas com insuficiência cardíaca.

Segurança do TR
Os riscos do TR estão relacionados com a idade da pessoa, grau de aptidão física, presença de doença cardiovascular, e intensidade do treinamento. Elevações excessivas da pressão arterial somente ocorrem no TR de alta intensidade, com 80 a 100% de carga máxima e esforço máximo. Aspecto relevante é que a relação oferta/demanda de oxigênio para o miocárdio é mais favorável no TR do que nos exercícios aeróbios, devido à menor freqüência cardíaca e à maior perfusão do miocárdio em função da elevação da pressão arterial diastólica. Em adição à melhor perfusão subendocárdica determinada pela elevação da pressão diastólica e retorno venoso diminuído, a redução do volume diastólico final dos ventrículos e discreta tensão de parede do miocárdio contribuem para a baixa incidência de arritmia no TR. No caso de pacientes cardiopatas de baixo risco o TR geralmente não produz angina, arritmia ou sinais isquêmicos no eletrocardiograma, independente do porcentual de carga máxima utilizado.

Pacientes sem isquemia de repouso, sem isquemia induzida por exercícios, sem disfunção ventricular esquerda severa, e sem arritmias complexas, não têm apresentado problemas no TR. O TR tem se mostrado seguro para hipertensos. Cargas entre 40 e 60% de
1RM não produzem aumentos perigosos de pressão. Teste de carga máxima com 100% de
1RM não traz problemas para pessoas com pressão normal e com teste ergométrico normal.
Todos os trabalhos com pacientes coronarianos mostraram bons resultados e nenhuma intercorrência, com cargas entre 30 e 80% de 1RM.

Avaliação médica e indicações do TR
O TR intenso nunca deve ser iniciado antes de programas de TR mais moderados, em todas as idades e em todas as condições de saúde e aptidão. Para pessoas com baixo risco de acidentes cardiovasculares uma extensiva avaliação cardiológica é desnecessária, dispensando o teste ergométrico, desde que o inicio seja suave. Para pessoas com risco moderado ou alto para acidentes cardiovasculares o TR pode ser utilizado com segurança, desde que bem orientado e acompanhado.

As contra-indicações absolutas para os exercícios aeróbios são as mesmas para o TR: Angina instável; Insuficiência cardíaca descompensada; Arritmias não controladas; Hipertensão pulmonar severa; Estenose aórtica severa; Cardite aguda; Hipertensão não controlada (acima de 180/110 mmHg); Dissecção de aorta; Síndrome de Marfan; Retinopatia proliferativa ou diabética (TR com cargas entre 80 e 100% de 1RM);

As contra-indicações relativas devem ser avaliadas caso a caso pelo médico responsável. O TR de baixa intensidade pode ser aceito para jovens com cardiomiopatia hipertrófica. Pacientes recentemente revascularizados ou submetidos a angioplastia devem realizar qualquer tipo de exercício em hospitais ou clínicas especializadas. Pacientes com doença cardiovascular estável podem utilizar TR de baixa ou moderada intensidade sem testes dignósticos, desde que a sua capacidade funcional esteja acima de 4 METs (que pode ser avaliada por questionário). Pacientes devem procurar o médico e interromper qualquer tipo de treinamento se apresentarem dor torácica ou respiração curta durante os exercícios. Exercícios como o desenvolvimento supino com barra, ou grandes alongamentos dos peitorais, podem quebrar ou deslocar aparelhos de marca passo. Na ausência de complicações, pacientes com diabetes devem ser estimulados a praticarem TR. Na retinopatia diabética os esforços não devem ser máximos. Pessoas com artropatias, osteoporose, neuropatias ou seqüelas neurológicas devem ser encorajados a utilizarem o TR, mas com supervisão de profissionais especializados.

Prescrição do TR
Para diminuir a ocorrência de dores musculares e eventuais lesões, a ênfase inicial deve ser no aprendizado da técnica e nas adaptações do sistema músculo-esquelético. As cargas iniciais devem ser estabelecidas de modo a permitirem as repetições planejadas sem muito esforço, principalmente no caso de doenças cardiovasculares. Tradicionalmente são utilizadas três séries para cada exercício, um exercício para cada grupo muscular, com um total de 8 à 10 exercícios duas ou três vezes por semana. Em fases iniciais, uma única série por exercício, duas vezes por semana, pode ser a orientação (geralmente sem considerar uma ou duas séries de aquecimento para cada exercício). Utilizar cargas menores e repetições mais altas é uma proposta comum no caso de DCV, mas isto não é consensual porque aumenta o duplo-produto, embora a segurança do TR ainda seja considerada alta. Para permitir a boa cicatrização do esterno após cirurgia de revascularização do miocárdio, os exercícios para a parte superior do corpo não devem utilizar mais do que 50% da carga máxima. A determinação dos pesos de treinamento pode ser feita por teste de carga máxima ou por aproximação sucessiva. Quando realizado o teste de carga máxima (1RM), as cargas iniciais para a parte superior do corpo devem ser entre 30 e 40%, e para a parte inferior, entre 50 e
60%. Na maioria das vezes as cargas de treino ficam entre 50 e 80% da carga máxima. Com o tempo podem ocorrer aumentos de exercícios, séries, pesos e redução dos intervalos entre séries.

No TR a freqüência cardíaca aumenta pouco e a pressão arterial aumenta mais, em relação aos exercícios aeróbios, o que torna a simples medida da freqüência cardíaca de pouca utilidade. Para pacientes com angina ou sinais eletrocardiográficos de isquemia, recomenda-se
calcular o duplo produto no teste ergomérico na intensidade em que os sinais ou sintomas aparecem, e não passar de 80% desse valor nos exercícios. No entanto, o cálculo do duplo produto em treinamento é difícil tecnicamente e pouco confiável porque não é possível avaliar a pressão sistólica de pico no início da contração concêntrica. Uma recomendação é que cardiopatas devem realizar o TR com escala de Borg entre 11 e 14, utilizando repetições entre
10 e 15. Todavia, essa recomendação não considera que o duplo produto é significativamente menor com cargas que permitam repetições entre 8 e 12. Sintomas como tonturas, respiração curta, dor ou pressão torácica, e arritmias, devem determinar a interrupção do treinamento e reavaliação médica.

Qualquer tipo de equipamento para TR pode ser utilizado desde que com supervisão adequada.

Pesos livres exigem mais coordenação e ocorrendo falha técnica, são mais propensos a produzir lesões. Aparelhos com pesos ajudam a manter o equilíbrio, permitem fácil graduação de cargas, e diminuem a possibilidade de lesões. Durante o TR deve-se evitar apertar muito o equipamento com as mãos, para evitar elevações maiores da pressão arterial.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

 

Comentários: José Maria Santarem