Cervicalgia e Musculação

Cervicalgia e Musculação

As dores na região da coluna cervical, conhecidas como cervicalgias, são comuns e podem ser a causa de muitas limitações nas atividades cotidianas. A cervicalgia é a terceira maior causa de dor musculoesquelética (1).  Entre as causas mais comuns, estão as discopatias, caracterizadas por processos degenerativos que comprometem a  anatomia dos discos intervertebrais da coluna cervical. Discopatia é um nome genérico para qualquer problema anatômico no disco intervertebral como diminuição do seu espaço, fissuras, protusões, hérnias entre outros. A perda da integridade dos discos causa instabilidades na coluna cervical provocando dores locais,  ou dor irradiada com sensação de formigamento e parestesia,  quando ocorre pinçamento de raiz nervosa, e são conhecidas como radiculopatia. A radiculopatia mais comum na região cervical, é a do plexo braquial, que provoca dor irradiada, percorrendo para um dos  membros superiores. As causas da discopatia em grande parte são genéticas, e fazem parte do processo de envelhecimento (2). O estiramento do plexo braquial (cervicobraquialgia) provocado por movimentos dos braços nas atividades de vida diária tende a piorar o quadro de dor. Outro aspecto importante é que nos quadros de dores por radiculopatias podem ocorrer a contração involuntária de alguns músculos cervicais e trapézio, tensionando a região.  A discopatia avançada leva à deformações vertebrais (hipertrofia óssea) e recebe o nome de espondilose. Nas imagens radiológicas, as hipertrofias ósseas, chamadas de osteófitos, aparecem com formato de bico, por essa razão sendo popularmente conhecida como bico de papagaio. Nesse estágio a mobilidade da coluna fica mais comprometida, precisando de cuidados em grandes movimentos na região cervical.

O tratamento para cervicalgias podem incluir medicações, em fase muito acentuada da dor, a exercícios terapêuticos, principalmente de fortalecimento muscular, passando pela fisioterapia analgésica. A utilização de medicação deve ocorrer sempre por avaliação clínica do médico. Importante destacar que trabalhos científicos têm demonstrado que o uso contínuo de analgésicos opióides, além de antiinflamatórios e corticóides podem comprometer a integridade dos tecidos a longo prazo, dificultando o processo de reparação tecidual (3).  As manipulações na coluna e  tração na região cervical  devem ser sempre realizadas por um profissional da fisioterapia, mas com atenção especial para não agravar o quadro (4).

Os exercícios  resistidos, conhecido popularmente como musculação,  têm tido ampla aplicação terapêutica nas cervicalgias (5, 6), e  parecem ser superiores a medicação e a fisioterapia convencional, no tratamento das dores musculoesqueléticas (3). A melhor estabilização da coluna pelos músculos e tendões fortalecidos podem justificar a melhora do quadro de dor e minimizar a evolução da própria doença.

Em trabalho experimental realizado no Instituto Biodelta e apresentado no VI Cindor (Congresso Interdisciplinar de dor da USP) em 2016, mostrou-se que exercícios básicos da musculação: peitoral e remada, com evoluções adequadas de cargas e amplitudes, contribuem  para melhora do desconforto na região cervical.  Não ficou claro se a inclusão  de exercícios específicos para a cervical,  como os extensores e flexores cervicais, ao longo do programa de treino favorecem a melhora da dor (7). Futuros trabalhos, com maior controle de variáveis, como a inclusão de exercícios em etapas, o uso de medicação e outras atividades concomitantes,  poderiam contribuir para elucidar  os efeitos terapêuticos da musculação nas cervicalgias.

Algumas condutas na orientação dos exercícios são muito importantes como: evitar realizar a extensão total dos cotovelos em exercícios peitorais para não tracionar o plexo braquial, especialmente em equipamentos que favorecem a posição final para baixo.  No caso das remadas evitar a grande movimentação do tronco com grande abdução dos ombros à frente, pela mesma razão. Os movimentos na remada devem ser orientados da posição vertical da coluna para a extensão dos ombros, incluindo a extensão dos músculos paravertebrais lombares. Para diminuir a contratura em trapézio, comum nas cervicalgias, as remadas com orientação para encolhimento de ombros ao final do movimento podem ser suficientes para o fortalecimento fisiológico dessa musculatura, minimizando as dores locais; lembrando que tanto as contrações concêntricas quanto as excêntricas  melhoram a capacidade elástica do músculo e tendem a melhorar os processos inflamatórios, e devem ser enfatizadas para se realizar lentamente, de 2 a 3 segundos (3, 8, 9). Aspecto importante é que as isometrias de paravertebrais cervicais durante os exercícios parecem agravar o quadro de dor, por essa razão não são recomendadas.

Ao incluir os exercícios específicos para a cervical (extensão e flexão) nossa experiência mostra que o cuidado deve ser na orientação das amplitudes, devendo ser mínimas para não forçar o pinçamento da raiz nervosa, como ocorre na hiperextensão da cervical. Dor durante o exercício ou piora na inclusão dos mesmos precisa da reavaliação profissional, podendo ser excluídos temporariamente e com tentativa de retomada a posteriori.

Exercícios como o encolhimento de ombros para o trapézio e o mergulho para o tríceps,  devem ser evitados especialmente em situação de cervicobraquialgia (radiculopatia), porque também tendem a tracionar o plexo braquial durante a extensão do cotovelo no final da contração concêntrica no mergulho , e ao final da contração excêntrica no exercício de encolhimento, onde ocorre a depressão escapular. Exercícios para o bíceps e tríceps também devem ser avaliados no conforto, evitando as máximas extensões de cotovelo (estiramento do plexo braquial). O exercício abdominal pode ser desconfortável, especialmente na situação de inclinação do banco, ou pela sustentação da cabeça nos exercícios em solo; pode ser incluído depois, quando a cervicalgia estiver melhor controlada com os exercícios principais.

Nos demais exercícios é importante orientar para relaxar a musculatura cervical. A rotina diária também deve ser reavaliada em pessoas com queixas de cervicalgias. Muitas das dores na região cervical podem iniciar por má postura, como a posição de computadores,  realizar  leituras na posição deitada, utilizar computadores ou celulares por tempo prolongado e sem adequado posicionamento do corpo, realizar outras formas de atividades que provoquem dor.  Orientar as pessoas nesses aspectos pode contribuir para otimizar os resultados em conjunto com o fortalecimento muscular.

Procure sempre a orientação de  profissionais no acompanhamento e adaptação dos exercícios, preferencialmente profissionais especializados em doenças e exercícios.

Sandra Nunes de Jesus –  Mestre em Ciências pela Faculdade de Medicina da USP, especialista em treinamento resistido na saúde, na doença e no envelhecimento pela FMUSP/Instituto Biodelta,[ desde 2002,  formada em Educação Física e Pedagogia; e atualmente  coordenadora do Instituto Biodelta e da Biodelta Metodologia.

  1. Trinh K, Graham N, Irnich D, Cameron ID, Forget M. Acupuncture for neck disorders. Cochrane Database Syst Rev. 2016 May(5):CD004870. PubMed PMID: 27145001. Epub 2016/05/04. eng.
  2. Magee DJ, Zachazewski JE, Quillen WS. Prática da Reabilitação Musculoesquelética: Princípios e Fundamentos Científicos. Barueri, SP2013. 802 p.
  3. Camargo PR, Alburquerque-Sendín F, Salvini TF. Eccentric training as a new approach for rotator cuff tendinopathy: Review and perspectives. World J Orthop. 2014 Nov;5(5):634-44. PubMed PMID: 25405092. PMCID: PMC4133471. Epub 2014/11/18. eng.
  4. Leitão R, Vasconcelos H, Leitão V. Algumas Verdades sobre o Tratamento Fisiátrico das Cervicalgias. Acta Fisiátrica. 1994:23-5.
  5. Andersen CH, Andersen LL, Pedersen MT, Mortensen P, Karstad K, Mortensen OS, et al. Dose-response of strengthening exercise for treatment of severe neck pain in women. J Strength Cond Res. 2013 Dec;27(12):3322-8. PubMed PMID: 23478473. eng.
  6. Santarem JM. Musculação em Todas as Idades: comece a praticar antes que seu médico recomende. 1a Edição ed. Barueri, SP: Manole; 2012.
  7. Bernardina H, Mastandrea L, Santarem E, Nunes S, Santarem J. Efeitos terapêuticos de exercícios resistidos específicos na discopatia cervical VI Cindor: https://biodelta.com.br/vi-cindor/; 2016 [
  8. Medicine ACoS. American College of Sports Medicine position stand. Progression models in resistance training for healthy adults. Med Sci Sports Exerc. 2009 Mar;41(3):687-708. PubMed PMID: 19204579. eng.
  9. Stasinopoulos D, Stasinopoulos I. Comparison of effects of eccentric training, eccentric-concentric training, and eccentric-concentric training combined with isometric contraction in the treatment of lateral elbow tendinopathy. J Hand Ther. 2017 2017 Jan – Mar;30(1):13-9. PubMed PMID: 27823901. Epub 2016/11/04. eng.