36  A utilização de pesos elevados nos exercícios é segura e eficiente para mulheres com linfedema secundário a câncer de mama: um ensaio clínico controlado e randomizado

Comentário: Prof. Dr. José Maria Santarem*

O treinamento resistido com cargas elevadas é seguro para mulheres com linfedema secundário a tratamento do câncer de mama. Considerações com relação a cargas e intensidades na musculação.

Prue Cormie, Kate Pumpa, Daniel A. Galvão, Elizabeth Turner, Nigel Spry, Christobel Saunders, Yvonne Zissiadis e Robert U. Newton, 2013.
J Cancer Surviv – DOI 10.1007/s11764-013-0284-8 / 2013.

Os autores esclarecem que o treinamento resistido (TR) é reconhecido como eficiente para diminuir a extensão do linfedema nos membros superiores de mulheres submetidas a tratamento de câncer de mamas, melhorando a funcionalidade e impactando positivamente na qualidade de vida. No entanto, tradicionalmente as cargas mais elevadas têm sido sistematicamente contraindicadas apesar de serem mais eficientes, devido ao receio de efeitos adversos.

Mulheres com linfedema secundário a câncer de mama (LSCM) apresentam com frequência acentuada diminuição de força no braço afetado, geralmente acompanhada de sintomas como dor, adormecimento, sensação de peso e rigidez. Depressão, ansiedade e sensação de sofrimento são alterações psicoemocionais que frequentemente agravam a situação das mulheres com LSCM.

Os programas de fisioterapia tradicionalmente indicados para mulheres com LSCM não utilizam pesos. Além disso, levantar pesos na vida diária tem sido sistematicamente contraindicado. No entanto, o exercício resistido foi avaliado em várias publicações e todas mostraram bons resultados nas variáveis consideradas, além de boa tolerância geral. Os efeitos na melhora da extensão do linfedema foram atribuídos à função de bomba dos músculos em contração. Os protocolos de treinamento nesses trabalhos utilizaram cargas leves ou moderadas.

Os autores realizaram o presente trabalho para avaliar a eficiência e a segurança do treinamento resistido com cargas elevadas. A literatura documenta que o TR em situação de saúde tem os seus efeitos diretamente proporcionais às cargas de trabalho.

Para este estudo foram selecionadas 62 mulheres com LSCM e idades entre 47 e 67 anos. O cálculo do tamanho da amostra indica alta confiabilidade dos resultados, considerando que uma variação de 5% na circunferência do braço é clinicamente significante. Das 62 mulheres, 22 foram sorteadas para um grupo de TR com carga alta (TRCA), 21 para um grupo de TR com carga baixa (TRCB) e 19 para um grupo controle sem exercícios (GC). No grupo TRCA as cargas foram selecionadas para que as repetições ficassem entre 6 e 10 (75% a 85% de 1RM) e no grupo TRCB entre 15 e 20 (55% a 65% de 1RM). A sensação subjetiva de esforço foi calculada com a Escala de Borg e ficou entre 12 e 16 (esforço moderado a difícil) para ambos os grupos. Assim sendo, ambos os grupos treinaram com intensidade semelhante (moderada a alta).

As sessões de exercícios resistidos foram realizadas duas vezes por semana, com duração aproximada de uma hora e utilizando exercícios básicos da musculação como: press peitoral, remada sentada, press de ombros, flexões de bíceps, extensões de tríceps, flexões de punho e leg press. Cada exercício foi realizado em quatro séries. O treinamento durou três meses.

No início e no final do programa de treinamento foram feitas medidas dos seguintes parâmetros:

1) Extensão do edema, avaliado por medidas de circunferência, bioimpedância e DEXA (aparelho habitualmente utilizado para avaliar densidade óssea e composição corporal) .
2) Sintomas, avaliados por questionários para disfunção e dor.
3) Testes de força (dinamometria da preensão palmar e 1RM em press peitoral, remada e leg press), resistência (repetições máximas com 70% de 1RM nos mesmos exercícios) e flexibilidade (goniometria de membros superiores.
4) Qualidade de vida, avaliada pelo questionário SF-36.

Os resultados mostraram que ambos os grupos de TR aumentaram de forma significante a força e a resistência, melhorando também os indicativos de qualidade de vida. Não ocorreram diferenças entre os grupos de TR na magnitude dos efeitos observados. Outra constatação foi que o TR não piorou o edema e nem piorou os sintomas.

A conclusão dos autores foi de que o treinamento resistido por três meses com intensidade de moderada a alta, tanto com cargas altas como com cargas baixas, é eficiente para melhorar a função motora e a qualidade de vida em mulheres com LSCM sem produzir piora dos sintomas e do edema. Uma hipótese levantada é de que tempo mais prolongado de treinamento possa acentuar os efeitos positivos com segurança, eventualmente indicando diferenças entre a utilização de cargas altas ou baixas.
Importante observar que este trabalho utiliza corretamente os termos “intensidade” e “carga”. Com frequência a intensidade do TR é definida tendo como referência a carga, mas isso não é correto. Cargas acima de 75% de 1 RM caracterizam o exercício com carga alta e não com intensidade alta. Cargas entre 55% e 75% de 1RM definem carga moderada. Carga máxima é 1 RM (a máxima carga que permite uma repetição). Intensidade do exercício é o grau de esforço, avaliada por escala subjetiva sendo a de Borg a mais utilizada, embora proposta inicialmente para exercícios contínuos. Intensidade alta tem a escala de Borg entre 19 e 20 e intensidade moderada em torno de 15. A intensidade máxima em TR corresponde à contração muscular máxima (a última repetição possível antes da falência muscular, sempre lenta e em apnéia). Interromper a série uma ou duas repetições antes caracteriza intensidade alta, independente da carga e das repetições. Interromper a série três ou quatro repetições antes da máxima caracteriza intensidade moderada.

Os melhores efeitos da musculação ocorrem com cargas altas e intensidades altas. Intensidades máximas são utilizadas por pessoas sem limitações de saúde e motivadas, mas devem ocorrer apenas em algumas séries nos exercícios mais importantes para os objetivos individuais. Intensidades supra-máximas (repetições forçadas, impulso e séries descendentes) não são aconselhadas mesmo para atletas devido a não serem necessárias e aumentarem o risco de lesões.
Para fisioterapia as cargas altas tem se mostrado também mais eficientes mantendo a segurança, mas a maioria dos trabalhos não faz referência às intensidades utilizadas. No Instituto Biodelta a proposta é utilizar cargas altas com intensidades moderadas, mesmo quando não existe contraindicação para intensidades altas. A razão é não tornar o exercício aversivo para pessoas com objetivos terapêuticos, geralmente pouco motivadas e receosas de esforços elevados.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

 

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