25  Eficiência do treinamento de força com exercícios resistidos progressivos funcionais sobre a força muscular e a mobilidade em crianças com paralisia cerebral: um ensaio clínico controlado e randomizado.

Comentário: Prof. Dr. José Maria Santarem*

Trabalho demonstrando os benefícios do treinamento com pesos para crianças com paralisia cerebral.

Vanessa A Scholtes*1,2, Annet J Dallmeijer1,2, Eugene A Rameckers3, Olaf Verschuren4, Els Tempelaars5, Maartje Hensen6 and Jules G Becher1,2 Developmental Medicine and Child Neurology – Published on line:28th January 2010

Os autores iniciam definindo a Paralisia Cerebral (PC) como uma condição neurológica não progressiva que afeta 1,5 a 2,5 crianças em cada 1.000 nascidos vivos e que tem como manifestação clínica movimentos e controle postural anormais. As manifestações funcionais incluem a espasticidade, a fraqueza muscular e coordenação alterada. A funcionalidade é comprometida e os objetivos terapêuticos devem ter como objetivo a sua melhora. Também é esclarecido pelos autores que trabalhos recentes documentaram que a fraqueza muscular é o principal determinante da disfunção na PC e isso mudou o foco terapêutico do controle da espasticidade para o fortalecimento muscular.

Aspecto enfatizado pelos autores é que até recentemente o treinamento resistido (TR) era contra-indicado na PC devido ao infundado receio de que pudesse ocorrer piora da espasticidade. Trabalhos recentes documentam melhora da força muscular na PC estimulada pelo TR, sem piora da espasticidade ou da amplitude de movimentos, e com melhora funcional documentada.

Os autores levantam a hipótese de que os métodos de treinamento do TR devem ser aplicados a exercícios que simulam atividades da vida diária visando a melhor transferência possível dos ganhos funcionais. Por outro lado, reconhecem que trabalhos recentes também tiveram esse objetivo, mas os resultados não foram os conclusivos. Em uma revisão de literatura sobre o TR os autores comentam que o princípio de sobrecarga progressiva sempre deve existir e a progressão deve ser individualizada. O melhor método para progressão de intensidade é apontado pelos autores com base nos trabalhos disponíveis e consiste no método das repetições máximas: uma faixa de repetições é estabelecida e as cargas aumentadas sempre que a pessoa estiver trabalhando nos valores superiores dessa faixa. A faixa de repetições assumida como ideal é entre 8 e 15 e para essa faixa as cargas utilizadas ficam geralmente entre 70 e 85% de 1RM. As duas primeiras séries para cada grupo muscular devem utilizar cargas mais leves para aquecimento e com cargas maiores devem ser realizadas entre 3 e 5 séries. A freqüência semanal apontada como ideal é de duas a três vezes por semana. Nosso comentário é que essas condutas são universalmente utilizadas, atualmente com base em evidências científicas, mas há muitas décadas utilizadas em musculação de competição (bodybuilding) com base em evidências de tentativa e erro. A faixa de repetições mais aceita como ideal para força e hipertrofia é entre 6 e 12, mas muitos autores preferem indicar a faixa de 8 a 15, o que na prática não significa muita diferença. No caso do treinamento dividido, a freqüência semanal costuma ser de duas vezes por semana para cada grupo muscular.

No presente trabalho, crianças entre 6 e 13 anos com espasticidade unilateral ou bilateral foram avaliadas segundo os critérios de inclusão e exclusão. As crianças foram divididas de acordo com três critérios: idade (6 a 9 anos e 10 a 13 anos), gênero, e grau de funcionalidade. Quarenta e nove crianças participaram do estudo, distribuídas no grupo submetido ao TR e no grupo controle sem exercícios. As sessões de treinamento ocorreram três vezes por semana durante 6 semanas e tiveram a duração de 45 a 60 minutos. Terapia ocupacional e outras intervenções que não visassem aptidões físicas fora mantidas em paralelo com o TR. Atividades suaves e recreativas como aeróbicos e alongamentos foram realizados no início e no final das
sessões.

O treinamento incluiu exercícios para os músculos anti-gravitacionais das pernas: glúteos, quadríceps, gastrocnêmios e soleus, com apenas um exercício do TR convencional: leg press. Os demais exercícios foram: levantar de cadeira sem carga e com carga, subir em “steps” sem carga e com carga e levantar da posição ajoelhada em
uma perna com a força da outra. Os exercícios foram realizados em circuito, todos em 3 séries de 8 repetições. No leg press foram utilizadas 8 RM (carga máxima para 8 repetições). Nos outros exercícios as cargas foram sub-máximas: peso corporal ou coletes com pesos.

Os parâmetros avaliados antes do início e após o período de treinamento foram:

a) Testes funcionais padronizados;
b) 6 RM no leg press;
c) dinamometria isométrica de membros inferiores;
d) potência anaeróbia na bicicleta ergométrica;
e) questionário
de mobilidade padronizado;
f) avaliação de atividades extra-escolares;
g) avaliação da
amplitude de movimentos nos membros inferiores;
h) avaliação da espasticidade nos membros inferiores.

Os resultados mostraram aumento de força isométrica nos músculos extensores do joelho e abdutores do quadril entre 11 e 12%, e aumento de força no leg press da ordem de 14%. Esses resultados em aumento de força são comparáveis com os obtidos em outros trabalhos com treinamento resistido em crianças com PC. Portanto, o TR funcional não teve resultados superiores ao TR convencional na magnitude do ganho de força. A espasticidade não piorou com os exercícios, como esperado e documentado em outros trabalhos com TR. A mobilidade não melhorou como resultado deste trabalho, apesar do aumento de força. Outros trabalhos com TR convencional demonstraram melhora na força e na mobilidade de crianças com PC, de tal maneira que o TR funcional não foi comprovado como superior ao TR convencional para o objetivo de melhor transferência dos ganhos funcionais para as atividades da vida diária. Pode-se especular que se exercícios resistidos para outros grupos musculares além dos ativados pelo leg press tivessem sido utilizados, os resultados poderiam ser semelhantes aos encontrados na literatura.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

 

Prof. Dr. José Maria Santarem*
Doutor em medicina pela Universidade de São Paulo, fisiatra e reumatologista pela Associação Médica Brasileira, consultor científico da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, diretor do Instituto Biodelta e coordenador do site acadêmico www.treinamentoresistido.com.br.