06  Exercício Resistido: Adaptações ao Treinamento e Desenvolvimento de Uma Prescrição de Exercícios Segura (na Insuficiência Cardíaca Crônica)

Comentário: Prof. Dr. José Maria Santarem*

Uma revisão sobre os benefícios para a saúde do treinamento com pesos aspectos técnicos na insuficiência cardíaca.

Randy W. Braith, Darren T. Beck; Heart Fail Rev; 2008; Vol. 13; 69-79.

O exercício aeróbio é a modalidade de treinamento mais prescrita nos casos da Insuficiência Cardíaca Crônica (ICC), mas a melhora clínica dos pacientes depende em muito da reversão da atrofia do músculo esquelético (miopatia da insuficiência cardíaca), bem descrita nessa condição. O TR é modalidade de exercício preferida quando o objetivo são as adaptações periféricas.

O TR tem sido endossado em programas de condicionamento físico para adultos saudáveis em todas as idades, com e sem doença cardiovascular, pelo American Heart Association, American Diabetes Association, American College of Sports Medicine, Centers for Disease Control and Prevention, American Association of Cardiovascular and Pulmonary Rehabilitation, e o US Department of Health and Human Services.
Hipóteses não fundamentadas no sentido de que o TR poderia induzir isquemia miocárdica, anormalidades hemodinâmicas, ou arritmias ventriculares complexas justificaram as antigas contra- indicações para pacientes com doença arterial coronariana (DAC). Numerosos estudos a partir da década de 1.980 demonstraram que o TR era seguro para pacientes com DAC clinicamente estáveis. Atualmente o TR é reconhecido como um componente importante de programas de reabilitação cardíaca e prevenção secundária para pacientes com DAC. No caso da ICC os trabalhos sugerem eficiência e segurança do TR, mas ainda não permitem conclusões definitivas.

Os benefícios evidentes do TR seriam relativos à miopatia músculo esquelética da ICC, mas havia o receio de que pudesse ocorrer enfraquecimento da função VE e remodelação adversa do VE (ventrículo esquerdo) causado pelo aumento da pós-carga. No entanto a resposta hemodinâmica não excede os níveis atingidos durante o teste de esteira padrão e não tem sido demonstrada a remodelação adversa do VE após o TR. Estudos mais recentes têm demonstrado que o TR utilizado como única intervenção é um modo de exercício seguro e eficaz para pacientes com disfunção do VE ou insuficiência cardíaca.

Fundamentação
O TR previne o declínio na massa e função dos músculos esqueléticos e da função muscular no envelhecimento. Adultos que não realizam o TR habitual perdem aproximadamente 0,46 kg de músculo por ano a partir da quinta década e apresentam uma redução de 50% nas fibras musculares do tipo II próximo dos 80 anos de idade, situações agravadas no ICC. Além disso, a área total de secção transversal dos músculos esqueléticos e a força muscular são preditores independentes da tolerância ao exercício, do prognóstico clínico e da sobrevida em longo prazo em pacientes com ICC, justificando um programa de TR no envelhecimento e na ICC.
Na ICC ocorre redução global da massa muscular, que está associada com a gravidade da doença, e pode explicar a intolerância ao exercício observada nessa condição. A miopatia músculo esquelética na ICC também apresenta mudanças histoquímicas na reserva enzimática. O conteúdo mitocondrial diminuído e as reduções concomitantes nos sistemas enzimáticos oxidativos a exaustão prematura e a fraqueza. O TR como única intervenção pode aumentar tanto a reserva enzimática oxidativa (citrato sintase) quanto a glicolítica (lactato desidrogenase) em pacientes com miopatia músculo esquelética por DCV (doenças cardiovasculares). Outra característica da miopatia músculo esquelética na ICC é a mudança miofibrilar de fibras do tipo I, mais oxidativas e resistentes a fadiga, para fibras do tipo II, menos oxidativas e propensas a fadiga. Pacientes com ICC mostram reduções na capacidade de exercício, mas registram força similar em relação aos controles saudáveis. O TR intenso e habitual produz aumento nas fibras com maior capacidade oxidativa nos pacientes com ICC.
A força muscular, principalmente da perna é um parâmetro que independentemente prediz sobrevida em pacientes com ICC grave. A força dos músculos da perna têm sido considerada como um melhor preditor de sobrevida em longo prazo do que variáveis como o VO2 de pico e a sobrecarga de trabalho no cicloergômetro.

Exercício aeróbio
Uma sessão única e intensa de exercício aeróbio produz aumentos na freqüência cardíaca (FC), no débito cardíaco e na captação de oxigênio. O volume de ejeção aumenta precocemente e depois estabiliza. A pressão arterial sistólica (PAS) aumenta progressivamente enquanto a pressão arterial diastólica (PAD) é mantida ou diminui levemente levando a um alargamento da pressão de pulsos. A
resistência vascular periférica diminui e o sangue é desviado do músculo esquelético inativo e das vísceras para os músculos esqueléticos em trabalho. Nos músculos ativos a extração de oxigênio amplia a diferença de oxigênio arterio-venoso sistêmico. O exercício aeróbio impõe principalmente uma sobrecarga de volume sobre o miocárdio.

Exercício isométrico
Nos exercícios isométricos os aumentos na FC, PAS e na PAD são proporcionais à força relativa exercida pelo indivíduo: porcentual de 1 RM (uma repetição com a carga máxima possível, com esforço máximo, que caracteriza a contração muscular máxima – CMM). Não ocorre aumento do volume de ejeção, exceto em altos níveis de tensão (>50% CMM). Os aumentos no débito cardíaco e na captação de oxigênio são discretos. Devido à vasoconstrição reflexa, o fluxo sangüíneo para os músculos que não estão trabalhando não aumenta significantemente. Quando CMM ? 20-30% nos músculos que estão trabalhando, a pressão intramuscular excede a pressão intravascular e reduz o fluxo sanguíneo causando isquemia muscular localizada e hipoxia. A vasoconstrição e o aumento no débito cardíaco produzem uma elevação desproporcional da PAS, PAD e da resistência vascular periférica. Assim sendo, uma sobrecarga principalmente de pressão é imposta ao miocárdio.

Exercício resistido
No TR tradicional (exercícios dinâmicos com resistência externa fixa), ocorre uma combinação de sobrecarga de volume sobrecarga de pressão no miocárdio e no sistema vascular, e as respostas cardiovasculares são uma combinação das respostas que ocorrem durante o exercício aeróbio e o isométrico. Os fatores que determinam a magnitude da sobrecarga de pressão são: (1) magnitude da carga utilizada (que pode ser expressa como porcentagem de 1 repetição máxima utilizada – % 1-RM); (2) volume da massa muscular envolvida; (3) duração da contração do músculo em relação ao período de descanso entre as repetições. Desse modo, a sobrecarga de pressão menor no sistema cardiovascular irá ocorrer durante o TR se a resistência não for muito grande (% 1-RM), o período de contração for menor (1-3s) e o período de descanso entre as contrações for no mínimo de 1-2s.

Resposta hemodinâmica aguda do TR
A ecocardiografia bi-dimensional transtorácica pode avaliar o desempenho do VE durante o teste de força e durante o TR, embora dependa muito da experiência do operador. As respostas hemodinâmicas absolutas (freqüência cardíaca, pressão arterial sistólica, fração de ejeção, débito cardíaco, volume diastólico final do VE) são maiores durante o teste de esteira ergométrica do que no TR (pelo menos até 15 repetições e até 60% de 1-RM).
A medida direta da hemodinâmica cardíaca por meio de cateter no coração direito durante o TR, embora seja um método invasivo, é mais confiável. Estudos demonstram que em pacientes com ICC a pressão arterial aumenta de forma semelhante com 60% de 1 RM e com 80% de 1 RM. O débito cardíaco aumenta mais com 80% do que com 60%, indicando função contrátil do VE aumentada, e a potencial adaptabilidade de um coração insuficiente ao TR.

Adaptações crônicas para o TR
A melhora no consumo de oxigênio de pico é inadequada para avaliar o TR em pacientes com ICC. O VO2 de pico durante um teste de exercício graduado tem sido utilizado para estratificar o risco de pacientes com disfunção ventricular esquerda grave. Um bom VO2 de pico durante o teste de exercício implica num excelente prognóstico em pacientes com ICC. Contudo, durante o teste de exercício, os pacientes com ICC raramente alcançam um verdadeiro consumo máximo de oxigênio. Além disso, a miopatia músculoesquelética pode ser um determinante importante da capacidade de exercício em pacientes com ICC, impedindo a medida objetiva do VO2 de pico em pacientes com insuficiência cardíaca. A força do quadríceps está altamente correlacionada com o VO2 de pico nos indivíduos que receberam transplante cardíaco. O conceito atual é que o VO2 de pico nos indivíduos com força normal de perna é provavelmente definido pela reserva cardiovascular, mas nos pacientes com ICC a miopatia dos músculos das pernas pode ser o principal fator que limita a potência aeróbia.
Exercícios do tipo aeróbio são tipicamente prescritas em programas de reabilitação como uma medida defensiva para melhorar os déficits na capacidade metabólica do músculo esquelético. O TR melhora independentemente tanto o desempenho aeróbio quanto o anaeróbio do músculo esquelético, enquanto que os exercícios aeróbios melhoram apenas o metabolismo oxidativo. O TR aumenta o VO2 de pico em cerca de 16% em pacientes com ICC, e apenas cerca de 3 % em indivíduos saudáveis e sedentários. Pacientes com ICC conseguem aumentos entre 15 e 20% no VO2 de pico em treinamento aeróbico. Estudos comparativos mostraram que a combinação do TR e do exercício aeróbio resulta em melhores adaptações do VO2 de pico do que somente o treinamento aeróbio.
Melhoras na função cardíaca avaliadas pela fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) são
maiores quando são utilizadas as modalidades aeróbias ou o treinamento em circuito, mas os aumentos induzidos pelo TR são significantes. Não há correlação entre a FEVE em repouso e a capacidade do exercício na insuficiência cardíaca. O principal alvo terapêutico para a melhora nos pacientes com ICC é a periferia e não a hemodinâmica central.
O TR em pacientes com ICC produz aumentos na força muscular entre 15 e 50% e na resistência muscular entre 18 e 299%, mas aumentos na massa muscular não são habituais. A ICC é
uma doença progressiva, com mortalidade em 5 anos de aproximadamente 50%. Os benefícios do TR na ICC são relacionados com as anormalidades ultra-estruturais do músculo esquelético e com a função neuromuscular.
O exercício aeróbio habitualmente produz uma redução da rigidez arterial, mas alguns estudos mostram que o TR pode estar associado com o efeito contrário. No entanto, nenhum estudo relatou aumento na PA sistólica ou diastólica subseqüente ao TR. O significado clínico de um possível aumento da rigidez arterial estimulado pelo TR permanece obscuro. O TR não parece alterar a complacência arterial central, a complacência arterial muscular periférica, a rigidez aórtica central e a reatividade arterial braquial. Muitos estudos ainda são necessários para esclarecer os efeitos do TR nas funções arteriais periféricas e centrais em pacientes com ICC.
As revisões da literatura não apóiam a suposição de que o TR aumente a resistência vascular periférica e/ou a pressão arterial sistêmica. Atletas de isometria e de potência que realizam o TR regularmente durante anos e décadas não apresentam hipertensão. Nenhum estudo relatou aumentos na pressão arterial sistêmica em pacientes com ICC após um programa de TR.

Contra-indicações para o treinamento resistido
As contra-indicações relativas e absolutas para a participação nos programas de TR para pacientes com insuficiência cardíaca classificada como NYHA I, II e III são:

Absoluta
NYHA classificação IV
Obstrução do fluxo ventricular esquerdo
ICC descompensado
Arritmias perigosas
Capacidade de exercício < 3 METs
Estenose aórtica de moderada a grave
Diabetes descontrolada

Relativa
Angina instável
Fibrilação atrial
Hipertensão pulmonar grave
Arritmia ventricular complexa em descanso
Arritmias que pioram com o exercício
Isquemia induzida pelo exercício (depressão do segmento ST > 3 mm)

Pacientes NYHA classe IV devem ser encorajados a participar de programas de exercício visando força muscular, amplitude de movimento, flexibilidade e equilíbrio, visando melhora da qualidade de vida. A recomendação atual é que são necessárias mais pesquisas para recomendar o TR clássico em pacientes com disfunção grave do VE, mas são estimuladas atividades utilizando o peso do corpo e bandas elásticas com baixa resistência. Essa recomendação contrasta com o fato de que as cargas e o grau de esforço nos exercícios resistidos são aspectos que podem ser ajustados para produzir menores sobrecargas do que as induzidas pelo peso corporal e por bandas elásticas.

Prática do TR
Uma avaliação funcional com um teste de exercício graduado (TEG) (teste ergométrico) é recomendada antes do início de um programa de TR em cardiopatias. As medições diretas de troca gasosa pode fornecer dados adicionais úteis porque a capacidade aeróbia pode ser superestimada a partir do tempo de exaustão na esteira ergométrica em pacientes com ICC. O TEG é uma técnica confiável por provocar mudanças no segmento ST, respostas da PA e da FC, limiar de angina e arritmias, ajudando a prevenir eventos cardíacos.
A intensidade inicial do TR deve ser personalizada para cada paciente com ICC. As sessões de treinamento devem ocorrer de 2 a 3 vezes por semana, com 1 a 2 séries de 6-15 repetições por exercício, realizadas com um peso em torno de 40% de 1 RM. Essa carga corresponde a classificação entre 11 e 14 na escala subjetiva de esforço. As alterações cronotrópicas características da insuficiência cardíaca justificam que a escala de percepção de esforço e a escala de dispnéia sejam usadas preferencialmente à freqüência cardíaca.
O eletrocardiograma, a pressão arterial e o peso corporal devem ser monitorados durante as primeiras 4-6 semanas de TR e periodicamente durante toda a intervenção. Possíveis indicações de que a gravidade da ICC possa ter mudado são: aumento da fadiga, a falta de ar e angina aos esforços, edema, ganho de peso repentino e um aumento na freqüência das arritmias.
A intensidade do treinamento resistido deve aumentar gradualmente em bases individuais. Atualmente não existem normas claras para prescrever o TR para pacientes por meio das classificações do NYHA, e considerando as diferentes etiologias da insuficiência cardíaca. A utilização de medicamentos justifica a necessidade da prescrição individual do TR e um monitoramento contínuo de cada paciente.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

 

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