59  Treinamento resistido e doenças crônicas: Um resumo das atuais evidências.

Comentário: Prof. Dr. José Maria Santarem*

O treinamento resistido é eficiente e seguro para evitar e tratar várias doenças crônicas.

Joseph T. Ciccolo, Ph.D., CSCS and Sanaz Nosrat, M.A. ACSM’s Health & Fitness Journal – September/October 2016 (reprodução proibida)

Os autores iniciam o trabalho comentando a importância de controlar doenças crônicas, principalmente doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e doença pulmonar, do ponto de vista dos gastos em assistência médica. Evidentemente que do ponto de vista individual é importante evitar todas as doenças e tratar as que já existem. Os autores comentam que inicialmente a ênfase em exercícios para promoção de saúde era dada nos exercícios aeróbicos, principalmente caminhadas, mas desde 2008 o Departamento de Saúde dos EEUU recomenda que todas as pessoas devem realizar pelo menos duas sessões semanais de exercícios resistidos. No entanto, menos de 25% das pessoas nos EEUU seguem essa recomendação.

Há muito se sabe que os exercícios mais intensos, caracterizados por contrações musculares mais fortes, são mais eficientes para todos os objetivos, em relação aos exercícios mais suaves, geralmente denominados aeróbicos, como por exemplo caminhar. No entanto os exercícios mais intensos são menos seguros porque têm maiores sobrecargas. Do ponto de vista de saúde pública não é prudente recomendar que todas as pessoas façam exercícios intensos, como por exemplo correr, porque muitos o fariam sem avaliação de saúde e correriam riscos consideráveis.

O que se sabe atualmente é que os exercícios resistidos associam a eficiência dos exercícios intensos com a segurança dos exercícios suaves. A eficiência é dada por contrações musculares mais fortes, que têm melhores estímulos mecânicos, hormonais e metabólicos. A segurança é dada não por sobrecargas necessariamente baixas, mas por sobrecargas controlados, tanto cardiovasculares quanto musculoesqueléticas. Controlando fatores do treinamento como a carga, as amplitudes, o grau de esforço, a posição do corpo, os movimentos realizados e o volume de exercícios consegue-se adaptar o treinamento resistido com segurança, mesmo para pessoas debilitadas que já apresentam doenças crônicas. Outro aspecto importante em relação ao treinamento resistido por pessoas fragilizadas é que a aderência costuma ser alta, visto que os exercícios bem adaptados são confortáveis nas articulações e não induzem desconforto respiratório.

Em sua introdução aos temas específicos os autores comentam que os programas devem obedecer aos princípios gerais do treinamento resistido e recomendam que as cargas sejam prescritas a partir de testes de carga máxima (1 RM), que poderia ser estimada a partir de testes de 5 RM ou 10 RM para pessoas com dores articulares. Discordamos frontalmente dessa proposta. Mesmo para treinamento de atletas o teste de carga máxima não é necessário e praticamente não é utilizado. Porque utilizar essa abordagem em pessoas fragilizadas? Nossa experiência com essa população é definir cargas por aproximação sucessiva, o método mais tradicional em musculação, observando o conforto individual. Um trabalho do Instituto Biodelta documenta que mesmo pessoas com dores articulares evoluem cargas com essa abordagem do treinamento.

CÂNCER

Os autores comentam que as neoplasias não dermatológicas mais comuns são o câncer de mama, próstata e do intestino, e que os tratamentos habituais com quimioterapia, radioterapia e cirurgia costumam comprometer a qualidade de vida das pessoas devido à fadiga crônica, aumento da gordura corporal, perda de aptidão física geral, sarcopenia e osteoporose. Os exercícios resistidos têm se mostrado muito eficientes para amenizar essa situação.

A abordagem do treinamento recomendada é um programa com um exercício por grupo muscular, duas ou três séries cada um, com cargas entre 50 e 85% de 1RM e duas a quatro sessões semanais (quatro para programa dividido se treino, duas vezes por semana cada parte). Essa é a abordagem do treinamento que preconizamos no Instituto Biodelta, com a ressalva que não fazemos testes de carga máxima, mas os pesos definidos por aproximação sucessiva ficam nessa faixa de porcentagem de 1 RM.

Os autores alertam para a necessidade de boa assepsia do equipamento devido a maior tendência para infecções em pacientes submetidos à quimioterapia, cuidados especiais para prevenção de quedas no ginásio para pacientes com distúrbios do equilíbrio e osteoporose e/ou metástases ósseas.

DOENÇA RENAL CRÔNICA

Os autores esclarecem que a insuficiência renal geralmente é consequência da hipertensão arterial ou do diabetes mellitus, ambos de longa duração, embora existam outras causas. Muitos dessas pessoas precisam de hemodiálise e apresentam tendência para a sarcopenia e osteoporose, com perda de aptidão física e fadiga crônica, comprometendo a qualidade de vida. A possível ocorrência de osteodistrofia renal predispõe a fraturas e rupturas de tendões. O treinamento resistido tem se mostrado muito adequado para essas pessoas, apresentando rápidos resultados em aumento de força, massa muscular e capacidade para caminhar, impactando positivamente a qualidade de vida. Os autores propõem uma abordagem do treinamento semelhante à delineada anteriormente, com repetições entre 10 e 20. A nossa experiência no Instituto Biodelta não endossa repetições altas para pessoas debilitadas. Em casos de fadiga por doenças gerais como a insuficiência renal recomendamos repetições entre 5 e 8, que têm se mostrado muito mais confortáveis e adequados para ganhos de força e massa muscular. Exercícios com impacto podem ser perigosos devido à fragilidade de ossos e tendões. Cuidados de assepsia e proteção da fístula de diálise são necessários. A proposta de exercícios durante as sessões de diálise existe, com a vantagem de diminuir os deslocamentos das pessoas para fora de casa, mas as possibilidades de exercícios são limitadas.

ESCLEROSE MÚLTIPLA

O texto explica que a esclerose múltipla é uma doença autoimune que produz perda progressiva de mielina nos axônios do sistema nervoso central. Os efeitos deletérios sobre a qualidade de vida são agravados pelo frequente sedentarismo associado. Os sintomas costumam evoluir em surtos e incluem perda de força, perda de coordenação principalmente nos membros inferiores, fadiga, alterações da sensibilidade e depressão. Os exercícios aeróbicos são de difícil realização, mas os exercícios resistidos são bem tolerados, além de produzirem efeitos positivos sobre os sintomas. Os autores alertam para a utilização preferencial de máquinas em lugar de pesos livres devido ao frequente comprometimento da estabilidade corporal. Também chama a atenção para que se evite ginásios com temperatura elevada, que pode agravar os sintomas em pessoas com esclerose múltipla. Os autores propõem uma abordagem do treinamento semelhante á delineada anteriormente. Nossa experiência no Instituto Biodelta recomenda para fadiga de origem neurológica repetições tão baixas quando 3 a 6, para assegurar o conforto e garantir progressos de força.

IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA

O vírus da imunodeficiência em humanos (HIV) ataca células do sistema de defesa do organismo (linfócitos) e pode levar á AIDS (síndrome da imunodeficiência adquirida) que é caracterizada por sarcopenia, osteopenia, obesidade central, fraqueza geral, depressão e ansiedade. Os exercícios resistidos têm se mostrado eficiente e seguro para as pessoas com AIDS, sem prejudicar a função do sistema imunológico. A abordagem do treinamento segue as orientações anteriores, com repetições baixas na presença de fadiga, na nossa experiência. Crises de piora do estado geral exigem interrupção dos exercícios e tratamento medicamentoso específico.

OUTRAS DOENÇAS CRÔNICAS

Os autores apresentam uma lista de referências bibliográficas sobre os benefícios documentados do treinamento resistido e no texto enfatizam alguns efeitos importantes:

  • Doenças cardiovasculares: o treinamento resistido modifica favoravelmente os fatores de risco e o sistema cardiovascular. Também aumenta a força muscular e a aptidão física, contribuindo para melhorar a qualidade de vida.
  • Câncer: o treinamento resistido aumenta a força, melhora outras aptidões físicas, a composição corporal e o bem estar psicológico, contribuindo para a qualidade de vida. Nota: trabalho recentemente comentado (no 56) documenta importante redução de mortalidade por câncer em pessoas praticantes de treinamento resistido o que não ocorreu com exercícios aeróbicos).
  • Doença pulmonar obstrutiva crônica: o treinamento resistido melhora a força muscular, a função pulmonar e diminui a dispneia na vida diária.
  • Diabetes tipo II: o treinamento resistido altera favoravelmente a evolução da doença por ser muito efetivo na homeostase da glicose sanguínea. Isso se deve ao aumento de massa muscular associado à redução da resistência à insulina.
  • Doença renal crônica: o treinamento resistido melhora a composição corporal, a força muscular, a aptidão geral e a qualidade de vida.
  • Doença de Parkinson: o treinamento resistido melhora a força, o equilíbrio, a aptidão geral, a capacidade para caminhar e os sintomas motores, melhorando a qualidade de vida.
  • Esclerose múltipla: o treinamento resistido melhora a força, o equilíbrio, a aptidão geral, a capacidade para caminhar e os sintomas motores, melhorando a qualidade de vida.
  • Fibromialgia: o treinamento resistido melhora a força, a aptidão geral, reduz a fadiga e diminui as dores musculares, melhorando a qualidade de vida.
  • HIV / AIDS: o treinamento resistido melhora a força, a aptidão geral, reduz a fadiga e melhora a qualidade de vida.

Os autores concluem dizendo que as pesquisas estão evoluindo rápido no estudo dos efeitos salutares do treinamento resistido.

Não podemos deixar de lembrar que evidências sugerem que os exercícios resistidos são provavelmente os melhores para produzir miocinas, interleucinas anti-inflamatórias derivadas da contração muscular. Essas substâncias diminuem a inflamação basal do organismo evitando assim a aterosclerose (base das doenças cardiovasculares) e melhorando a sensibilidade à insulina, o que por sua vez diminui a probabilidade de desenvolvimento da hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade e dislipidemias (síndrome metabólica). As miocinas também parecem estar relacionadas com o melhor controle do câncer e das doenças autoimunes.

Metodologia, tabelas, gráficos e bibliografia encontram-se no artigo original.

Comentários: José Maria Santarem